Por que Goiana não teve trem?

Entre 1858 e o final do século, em Pernambuco, estavam em tráfego a Recife-São Francisco (RSF) (com seus 125 km), e, a partir de 1878, o seu prolongamento para o rio São Francisco, assumido pelo Estado Imperial até Garanhuns, sob a firma EF Sul de Pernambuco (EFSP); do mesmo jeito, a estatal Recife-Caruaru; além da Recife-Limoeiro, com seus 92 km em construção, assumida pela The Great Western of Brazil Railway (GWBR). Uma terceira ferrovia inglesa, The Great Northern of Brazil Railway, que correria de Olinda a Goiana, com ramal para Itambé, nunca foi construída, e os conflitos jurídicos com a GWBR (a célebre 'gretueste') se arrastaram, de 1893 a 1901.
O traçado da GWBR, começado em 1879, ia do porto do Recife para Limoeiro, 83 km de distância, com um ramal de 13 km para Nazaré, e uma pequena e estratégica extensão para Timbaúba, nos limites paraibanos. Este ramal/extensão era parte da política de capturar o mais rico distrito açucareiro, o dos vales do Tracunhaém e Capibaribe-Mirim, que tendiam, depois de 1870, a buscar o Canal de Goiana. A linha cobriria 355 propriedades e 74 engenhos de açúcar, seguindo o Capibaribe, paralela à rodagem do Governo que, até o fim do século, teria 77 km (FO BT 31 6843/37923. Memorandum of Association of the Great Western of Brazil Railway Company, Limited and Articles of Association. December 21, 1872).
A GWBR entrou com um processo na justiça contra a rival inglesa The Great Northern of Brazil Railway (GNBR), quanto ao raio de privilégio (no contrato original da Recife-São Francisco, ficou estabelecido que era de 5 léguas para cada lado da ferrovia) no qual outra ferrovia não poderia se instalar; no entanto, no perímetro urbano, essa zona diminuía, até, para 15 km. A GWBR também tentou contestar a estatal Recife-Caruaru, no que perdeu na justiça (FO BT l3 824. Great Northern of Brazil Railway Company, Limited. Reclamação. Sem data nem local, impresso em Português).
Vale a pena explicar o conflito de interesses do capital estrangeiro quanto à polêmica jurídica criada pelas companhias inglesas beligerantes, GWBR e Great Northern. A novela para instalar uma ferrovia, a partir de, ou com final em Goiana, envolve até política e fuga de capital comercial, a partir daquilo que foi a 'patriotada', ou 'Mata-Mata marinheiro', de 1872, saborosamente narrado por Paulo Cavalcanti (2009), e seguido por um escritor goianense (JORDÃO FILHO, 1977).
Com a abertura do canal do rio Goiana, em 1870, e vendo-se que a concessão da estrada de ferro Recife-Limoeiro roubaria deste porto fluvial toneladas de cargas vindo do distrito de Nazaré da Mata, os goianenses pediram às autoridades uma ferrovia que fosse de Goiana a Timbaúba, a fim de carrear os produtos agrícolas da área (JORDÃO FILHO, op. cit., p. 240).
A concessão para uma ferrovia entre Goiana e Timbaúba surgiu da lei provincial nº 1.115, de 17/06/1873, como nos mostra Paulo Cavalcanti, pela qual ficava a Província autorizada a conceder privilégio a pessoas ou companhias para a construção de uma estrada de ferro, ligando as duas cidades (2009, p. 257). Mal-estar político entre liberais e conservadores, maçons e comerciantes portugueses fizeram parte deste cenário que eclodiu com a 'patriotada', pondo, de um lado, o barão de Lucena, com seus interesses em levar a ferrovia Recife-Limoeiro e, de outro, o conservador, o goianense, João Alfredo de Oliveira, suposto apoiador do levante contra os comerciantes portugueses. Como aquele movimento esvaziou a cidade do capital comercial, a elite canavieira local não pôde fazer frente aos proprietários da área de Timbaúba que preferiram se ligar à Recife-Limoeiro, como ramal de Nazaré, do que depender do porto de Goiana (CAVALCANTI, op. cit., p. 257-259; JORDÃO FILHO, 1977, p. 239/240).
Com a passagem da concessão das mãos do Barão da Soledade, José Pereira Viana, para a companhia inglesa GWBR, esta incorporou o ramal Timbaúba-Nazaré, deixando os goianenses a ver navios (no seu porto fluvial, of course), já que os latifundiários, sem o capital dos portugueses, que liquidaram seus negócios em Goiana e fugiram da cidade, nunca conseguiram levantar o capital necessário para atrair os ingleses da GWBR (JORDÃO FILHO, op. cit., p. 241). Foi, a partir daí, que os latifundiários e comerciantes goianenses começaram a apostar nos planos da The Great Northern, a ferrovia de Olinda-Itambé, com ramal para Goiana. Apesar do processo na justiça, por parte da parte da GWBR, a Great Northern começou as obras, como mostra Jordão Filho: "Já no ano anterior, em 23 de março de 1895, ele (o governador Alexandre Barbosa Lima) informara ao Congresso Legislativo (Assembleia): 'O início da estrada de ferro Olinda-Itambé, passando por Goiana, conseguiu realizar 27 km de alinhamento, 22.926 km de nivelamento e 26.920 km de secções transversais'" (Idem, p. 244).
Jordão Filho, por certa escassez de documentação pertinente, à época, comete alguns enganos, como dizer que a concessão da Recife-Limoeiro fora dada "à companhia inglesa Pany Limited" (p. 240). Na verdade, foi à empresa The Great Western of Brazil Railway. Em outra passagem, diz que "... perderíamos decerto a nossa esperança de ouvir o apito das máquinas da Great Western silvar ao atravessar o nosso encantador vale do Capibaribe-mirim, pejadas de cana com destino a Itambé' (p. 244). Neste caso, tratava-se da rival, a Great Northern que já estava com seus dias contados, com a iminente derrota jurídica para a Great Western.
Com o fim do mandato de Barbosa Lima e com o desfecho jurídico, no começo da República, do processo contra a Great Norhtern, esta companhia não pôde se estabelecer no país. Goiana perdeu o trem,
(Texto
que faz parte do livro, inédito "Fábricas Inglesas de Açúcar no Pernambuco
Oitocentista", de autoria de Josemir Camilo de Melo).
*Sócio Correspondente do IHAGGO