Naufrágio do Vapor Bahia em Ponta de Pedras
Por; Profº José Bartolomeu dos Santos Júnior
Doutorando em Ciências das Religiões pelo PPGCR/UFPB; Sócio Efetivo do IHAGGO e da AALGO
Na noite de 24 para 25 de março de 1887, era de uma quinta para sexta-feira, aconteceu no mar da praia de Ponta de Pedras, município de Goiana, um acidente náutico envolvendo o Vapor Bahia, que acabou afundando, e o Pirapama; o primeiro havia saído de Cabedelo, na Paraíba, e o segundo, da capital pernambucana. Na historiografia goianense, destacamos três autores e suas obras que discorrem sobre o caso. Em um de seus capítulos, Octávio Pinto (1968, p. 38-47) em Velhas Histórias de Goiana, nos faz adentrar na história como se estivéssemos presentes naqueles momentos; também Mário Rodrigues do Nascimento (1996), em Crônicas Goianeneses, republicou dois artigos de sua autoria originalmente divulgados no Diário de Pernambuco em junho de 1984 (Naufrágio do Vapor Bahia) e outro em junho de 1987, no ano do centenário do ocorrido (Cajueiro das Almas); no Primeiro Tomo do Analecto Goianense, Álvaro Alvim da Anunciação Guerra, com o pseudônimo de Mário Santiago (1946) copilou informações do Jornal do Recife (edições de 27 e 30 de março de 1887), do jornal goianense 'Gazêta de Goiana' de 26 e 30 de março daquele ano, e de um artigo seu mesmo, do próprio Mário/Álvaro, publicado em 25 de julho de 1942 na 'Voz Operária'. Com uma narrativa envolvente, Octávio Pinto, que ouviu os relatos de João Guedes, capataz em Ponta de Pedras e um dos envolvidos no socorro às vítimas do afundamento do Bahia, elaborou sua resenha sobre os fatos; vejamos um trecho:
A tragédia foi pavorosa, agravando-se com a escuridão da noite e a explosão das caldeiras. O "Bahia" adernou de proa e começou a submergir rapidamente. Na precipitação, atordoados pelo estampido, os passageiros atiravam-se ao mar, sendo muitos devorados pelos peixes. Alguns ficaram presos nos camarotes. Os escaleres, com o excesso de lotação, despencavam-se lá de cima, arrebentando-se de encontro às ondas. A tripulação não pôde manter a ordem. A confusão era enorme. Todos queriam no mesmo tempo tomar os escaleres. Era o momento do "salve-se quem puder". Cenas trágicas, gritos lancinantes, ataques de loucura em que os passageiros rasgavam suas vestes ficando nus, era o que se via a bordo. D. Maria Sampaio de Moura, filha do conselheiro Sinval de Moura, que era cega, implorou a proteção de N. S. de Lourdes e precipitou-se no abismo. Pela manhã, apareceu na praia, em cima de um garajau de galinhas (PINTO, 1968, p. 42).
Citando Octávio Pinto, Mário Rodrigues faz uso da pesquisa feita pelo ex-prefeito de Goiana durante a Era Vargas (1938-1942) e relembra o relato de Barbosa Lima Sobrinho quando afirma que encontrou cruzes de ferro e sepulturas em uma área da praia denominada Sítio, que ele explica se tratar do "antigo sítio Monte Alegre, hoje transformado em loteamento com belíssimas casas de veraneio, há um lugar, batizado com velas e amuletos pela crendice popular com o nome de Cajueiro das Almas" (NASCIMENTO, 1996, p. 169). Vejamos o testemunho de Barbosa Lima Sobrinho contido em nota explicativa em Pinto (1968, p. 46) e em Nascimento (1996, p. 171-172):
Quando veraneei pela primeira vez na praia de Pontas de Pedra, visitei à beira-mar, debaixo de frondosos cajueiros, alguns túmulos dos náufragos do "Bahia". E nos braços de duas cruzes continham as seguintes inscrições: - "Carcaceno Henrique – 25-3-1887 – Tenente H. C. Braune. Faleceu a 24.3.1887. Naufrágio do "Bahia" – Ponta de Pedras.
Mário Santiago (1946, p. 222) discorre uma lista considerável de sobreviventes que foram conduzidos ao Recife depois que chegou à Ponta de Pedras no dia 26 de março de 1887 o rebocador Moleque, que trouxe a comissão designada de recolher e dar sepultura aos mortos que encontrasse. São informações importantes pois nos fomentam interpretações e (re)conhecimentos de alguns locais de sepulturas.
Em Catuama, soube a comissão que não havia náufragos ali e que, pela manhã daquele dia, tinham sido arrojados a praia um corpo e a metade superior de outro. O cadáver perfeito – foi averiguado – era do cap. Otaviano Augusto de Magalhães, que embarcara na Paraíba. Sepultaram-no na igrejinha local. A metade do outro corpo – uma massa informe e pútrida – não poude ser identificada e teve sepultura no areal da praia. Dali seguiu a comissão para Pontas de Pedra, onde, na manhã do mesmo dia, corpos tinham sido também arrojados, sendo sepultados no cemitério da povoação. Pelo exame cadavérico procedido pela autoridade do lugar, foram identificados os seguintes mortos: Carcaceno Henrique (estudante embarcado no Maranhão); 1º tte. Henrique Christiano Brown; Manuel Carlos de Azevedo Ribeiro, 2º cirurgião tenente da Armada (achava-se fardado). Os demais não puderam ser identificados e eram: uma mulher branca e magra; um rapaz branco; e mais dois homens (um dos quais, despido). O cadáver do tenente Brown e o da mulher foram inumados junto ao cruzeiro, um de cada lado, e os outros no quintal da igreja, que era o cemitério. A comissão pernoitou em Pontas de Pedra, e, no dia 27, seguiu para o local do afundamento. Também foi arrojado a Carne de Vaca o cadáver de um homem dilacerado, cujo enterramento ali mesmo foi feito; e a Pontas de Pedra, uma caixa contendo dinheiro-papel, a qual foi entregue ao subdelegado. Os jangadeiros andaram encontrando pedaços de corpos e do navio. Desapareceram no tétrico naufrágio as seguintes pêssoas: o comandante do navio, 1º tte. Aureliano Isaac; e o imediato Silvério Antônio da Silva (SANTIAGO, 1946, p. 222).
Pelas informações, o cruzeiro defronte da Igreja de Nossa Senhora do Ó serviu de enterramento para uma mulher não reconhecida e para o tenente Henrique Christiano Brown. Percebemos que a grafia do sobrenome do tenente está diferente em Pinto e Nascimento que escreveram Braune. Uma cruz de ferro foi forjada e indicava nos cajueiros o sepultamento de Braune e não Brawn, possivelmente erro na confecção e/ou erro fonético, uma não compreensão da pronúncia do sobrenome. Devemos perceber ainda que as árvores do fruto da castanha estão no plural no relato de Barbosa Lima Sobrinho (frondosos cajueiros) e no singular (Cajueiro das Almas) no título do texto de Nascimento (1996, p. 171). O cemitério de Ponta de Pedras ainda não era o atual, um pouco distante da igreja, mas, o campo santo era o terreno/quintal do templo sacro, o que era comum naquela época. Dentro da Capela de Santo Antônio em Catuama foi sepultado o capitão Otaviano Magalhães e ainda em Carne de Vaca aconteceu pelo menos um enterramento. Daí mensuramos as grandes proporções do acidente pois, os corpos, pedaços de corpos, objetos e destroços foram encontrados por pescadores trabalhadores nessas praias e o trecho engloba alguns quilômetros por nossa orla. Passados exatos 136 anos destes acontecimentos, recordamos a indignação do professor Mário Rodrigues do Nascimento (patrono da Cadeira Nº 03 da Academia de Artes e Letras de Goiana, da qual temos assento) que em 1987 lamentava a falta de registros oficiais do acontecido. Se faz necessário que possamos pesquisar melhor nossa história e personalidades ainda não tão visibilizados, no passado e no presente, dos distritos de Goiana, de especial maneira, os do território da antiga Freguesia de São Lourenço de Tejucupapo.
Aqui façamos o apelo de que patrocinadores possam junto ao IHAGGO, financiar pelo menos dois painéis do "Projeto Paredes que Contam Histórias" para que nativos, visitantes e veranistas possam (re)conhecer nossos lugares desta triste história, e o poder público revitalize o marco indicativo do afundamento do navio (que fica próximo dos arrecifes, no final da rua próxima da igreja e término dos bares) que já foi derrubado pelas forças das ondas faz algum tempo. Indico também aos pesquisadores e interessados nesta história a dissertação de mestrado em arqueologia pela UFPE de Marina Souza Barbosa, com o título "Desvendando o Naufrágio do Vapor Bahia (1887): um olhar da arqueologia subaquática", defendida em 2014. Atualmente, mergulhadores profissionais e amantes de esportes aquáticos visitam o belo santuário marinho que se tornou os destroços do velho navio, que serve de abrigo para a flora e fauna marinha. Goiana, conhecida por seus patrimônios arquitetônicos e culturais, de um acontecimento trágico, ganhou um patrimônio natural que deve ser cuidado, divulgado e preservado!
REFERÊNCIAS
NASCIMENTO, Mário Rodrigues do. Crônicas Goianenses. Recife: Editora do Autor, 1996.
PINTO, Octávio. Velhas Histórias de Goiana. Rio de Janeiro: Vecchi LTDA, 1968.
SANTIAGO, Mário. Analecto Goianense: tomo I. Goiana: Tipografia Violeta, 1946.</p>