A Casa, o Parque e os Afetos

24/09/2021

Por: Aureni Braz de Oliveira*

Há alguns quilômetros do centro da cidade de Goiana, encontra-se a usina Santa Teresa, que foi fundada pelos coronéis Francisco Vellozo de Albuquerque Melo, João Joaquim de Mello Filho e José Henrique Cézar de Albuquerque, contudo em 1930, venderam a usina ao empresário João Pereira dos Santos e mais nove sócios (GASPAR, 2009).

Após alguns anos, João Santos torna-se único dono e com isso, promove transformações na localidade que deixa de ser vista como engenho de açúcar, evoluindo para umas das maiores produtoras do estado. As modificações também ocorreram a nível estrutural, através das construções de escola, clube, parque, praça e posto de saúde que atendiam a população do distrito. Apesar de seu caráter particular a Usina Santa Teresa enquadrava-se como distrito local.

Morei durante 09 anos (1982 a 1991) e minhas primeiras memórias de vida ocorreram lá. Eu me lembro da casa em que morei. Na minha concepção, ela era muito grande, mais tão grande que na minha imaginação havia cômodos escuros.

Recordo dos brinquedos guardados na instante, dos livros de meu pai, ele possuía uma enciclopédia chamada Trópicos, que era dividida em dez volumes e quando minha mãe permitia, eu as folheava, viajando assim no mundo da fantasia, juro que até hoje, eu sinto e lembro do cheiro dos livros.

Segundo Consuelo(2017), a casa desperta no indivíduo um sentimento de confiança, proporcionado a possibilidade de entrar em contato com aquilo que vai além dos nossos olhos, o infinito talvez, tudo graças ao ambiente o qual estamos inseridos. Por diversas vezes, eu me sentia assim naquela casa, principalmente quando ficava no terraço observando o parque em frente dela.

Na verdade, para mim, o parque era extensão da minha casa em que as paredes e chão do terraço me preparassem para estar nele, podendo correr no meio dos brinquedos, sentir os pés no chão, sentindo a terra preta, cuja tonalidade me recordava brigadeiros. Eu brincava de balanço, passar anel e imaginar como as dançarinas espanholas faziam o som com os frutos de pé de castanhola que ficava do outro lado do parque.

O terreno com os pés de castanholas era imenso!!! Havia uma fileira enormes de árvores juntas que nos proporcionavam sombra e vento no rosto.

Quando lia a história da Branca de Neve, na parte a qual a personagem se perdia na floresta, pensava nas castanholas. Para mim é era como se estivesse na floresta negra da Alemanha, correndo do caçador, enviado pela madrasta má para retirar meu coração. Engraçado sabe, coração de nego, era o outro nome dado aos pés de castanholas.

Outra lembrança bem forte é dos trabalhadores da usina. Ao largarem atravessavam o interior das castanholas, retornando para suas casas, ou iam em direção a Igreja de Nossa senhora do Perpétuo Socorro, padroeira da Usina.

Detalhe, embora a Usina tivesse o nome de uma santa Carmelita, a patrona era Redentorista.

Hoje se pudesse definir com uma palavra o que sentia, seria alegria, pois ali, eu estava envolvida em relações que naquele momento me definiam. Para Lejarraga(2008), alegria é a mola propulsora para o desenvolvimento do afeto, pois é através dela a criança obtém uma amadurecimento emocional. O Parque me tinha esse significado de alegria, associada as palavras de segurança da minha mãe, ao me dizer que o parque era o único lugar seguro, uma continuidade da segurança proporcionada por ela. No parque eu tinha contato com a natureza, soltando a imaginação, corria e voltava das castanholas, me sentindo livre.

Quando volto à usina na atualidade, sinto um misto de dor e saudade. Eu não encontro mais o parque, em seu lugar, existe um heliporto. As castanholas não tem crianças correndo, porque hoje a maioria delas não se encontra mais lá, ou preferem ficar à frente de uma tela de celular.

A saudade presente no peito significa o amor de ter passado por experiências na infância que ajudaram no meu estar no mundo e ao serem evocadas na mente me trazem alegria e gratidão.

REFERÊNCIAS

GASPAR, Lúcia. Usina Santa Teresa. Pesquisa Escolar Online, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em: <https://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/>. Acesso em: 24 ago. 2021.

LAJARRAGA, Ana Lila. Os afetos em Winnicot. Cad. Psicanál, CPRJ, Rio de Janeiro, ano 30, n. 21, p.87-101,2008. Disponível em:< https://cprj.com.br/imagenscadernos/caderno21_pdf/6Cadernos%20n.%2021_Os%20afetos%20em%20Winnicott.pdf >. Acesso em: 24 ago. 2021.

PASSO, Maria Consuelo. Para uma compreensão psicanalítica dos entrelaces sujeito-cidade. Mental-v.11-n.20-Barbacena-M-Jan-Jun-p,29-44G Disponível em:< https://pepsic.bvsalud.org/pdf/mental/v11n20/v11n20a03.pdf >. Acesso em: 24 ago. 2021.


Aureni Braz de Oliveira.
*Professora de História, psicóloga em formação e pós-graduanda em Psicologia do Trânsito.
Amante da psicanálise via experiência Winnicottiana.
Integrante dos grupos de Pesquisa GPST(grupo de Pesquisa Subjetividade e Trabalho) e GPCOL(Grupo de Estudos de Psicologia e Serviço Social).
Sócia Honorária do IHAGGO