Heroinas de Tejucupoapo

Por; Profº José Bartolomeu dos Santos Júnior
 
Doutorando em Ciências das Religiões pelo PPGCR/UFPB; Sócio Efetivo do IHAGGO e da AALGO

O hino de Goiana, composto por um operário da antiga FITEG e instituído por lei municipal de nº 959 em 02 de setembro de 1966, na gestão do prefeito Lourenço de Albuquerque Gadelha, enfatiza e enaltece a Batalha das Heroínas de Tejucupapo. Álvaro Alvim da Anunciação Guerra buscou inspiração em nossa história para poder escrever e congregar todos nesta canção que por meio da Divulgadora Tupã e do civismo escolar goianense, por décadas, se difundiu, sendo até reinterpretada sua entonação na atualidade por outros cantores da nossa terra, a exemplo de Rosildo Oliveira. "Salve a mais gloriosa trincheira, da fé brasileira, no ardor varonil; onde nossa vovó com filho guapo, em Tejucupapo, salvou o Brasil"!

O Historiador Durval Júnior (2007, p. 33) afirma que "é o presente que interroga o passado e o conecta com a nossa vida, com as suas problemáticas; águas passadas movem moinhos e destinos". Neste ensaio, vamos expor alguns registros e interpretações ocorridas a partir dos acontecimentos daquela comunidade em abril de 1646. Tomaremos por base, as anotações do Diário de Dom Pedro II que lá esteve em dezembro de 1859; do Álbum Illustrado de Goyanna, de 1921; de Octávio Pinto em 1968 e de Severino Carneiro em 2010. Por séculos, a tradição da oralidade transmitiu os fatos e feitos da Batalha de Tejucupapo contra os holandeses que doentes e famintos, saíram da Fortaleza de Orange na Ilha de Itamaracá em busca de víveres alimentícios no contexto da Insurreição Pernambucana. O último imperador da monarquia brasileira relata:

Saí às 5 horas da manhã para a povoação de Tijucupapo, cujo nome me disse o Tenente Coronel, creio que Joaquim Francisco Cavalcanti Lins, ser tradição provir dum índio que ficou enterrado no Tijuco até o papo; mas ouvi a outrem que queria dizer Tijuco Grande, e com efeito, há um grande alagadiço próximo. Tive chuva e as vezes forte durante quase todo o caminho. Indo conhecer logo o local que passa pelo reduto defendido pelas mulheres, e com efeito a 12 metros de andadura seguida da povoação, cuja capelinha arruinada e enegrecida disseram-me ter mais de 100 anos, encontra-se uma chapada que chamam aqui de Chan do Engenho Megaó de Cima, de Raposo Antonio Falcão, um valo de 193 passos meus de circuito, formando a terra escavado parapeito, e tendo nos quatro cantos seu baluarte. Consta que havia dantes estacas, e eu trouxe cortado a machado um pedaço de tronco duma sucupira queimada sobre um dos parapeitos. Para o lado do mar fica a ribanceira do morro não tendo por isso fortificação por este lado. No vale e ao pé da ribanceira há uma fonte chamada da Trincheira. Nesse vale há um alagadiço onde se tem encontrado restos de instrumentos e algumas moedas pequenas quadradas, recomendamos ao Ten. Coronel que faça excavações e remeta o que achar e puder obter do já encontrado (1952, p. 99-100 – Grifos nossos).

Pedro II foi atendido e objetos encontrados naquele lugar foram para ele enviados? Gostaríamos de saber! Sabemos que depois de sua passagem pela cidade de Goyanna ruma em direção à Tejucupapo pela antiga Estrada de Cajueiro, hoje asfaltada. Sua descrição do local e da comunidade talvez seja o único registro escrito sobre uma parte da Freguesia de São Lourenço de Tejucupapo no século XIX. Ao chegar no lugar, que até hoje pertence ao engenho mencionado, o monarca teve a curiosidade de medir com seus passos (193) a dimensão da pequena fortaleza onde as mulheres e crianças ficaram recolhidas durante o confronto. Daí, verificamos quão longínqua é no país a reverberação contada da histórica participação das mulheres tejucupapenses em uma batalha. Sob a ótica de Edmundo Jordão (1921, p. 32), percebemos fragmentos sexistas da época ao classificar de 'fracos' as coragens femininas, vejamos:

Nenhum historiador consciencioso deixou de curvar-se admirado, ante aquelle rasgo de bravura feminina que, no anno de 1646, teve por campo um esquecido recanto de Goyanna que é chamado Tejucupapo. As nossas heroínas, ao lado de seus filhos e esposos, que ao todo prefaziam cem, souberam galhardamente reagir contra um grupo de trezentos hollandezes. O orgulho dos batavos invasores encontrou fortes barreiras nos fracos peitos femininos que se expuseram a lucta, movidos por um heroísmo instinctivo, e a victória mais uma vez sorriu aos bravos rebentos goyannenses (grifos nossos).

Na historiografia goianense, até meados do século XX, sentimos falta de duas características que irão aparecer nas obras escritas somente na segunda metade do século passado e início do novo milênio: são as armas utilizadas pelas mulheres, e os nomes dos participantes que se destacaram. Ao que parece, com o aprofundamento das pesquisas documentais e narrativas passadas pela oralidade, alguns personagens foram ganhando projeções de comando, é o caso do major de milícias Agostinho Nunes e de Mateus Fernandes. Diferente da contagem de Edmundo Jordão, Octávio Pinto (1968, p. 124) cresce consideravelmente os indivíduos que estavam do lado oposto aos moradores afirmando que eram "os holandeses em número de quinhentos e mais duzentos índios, chefiados por Linchtart".

Os holandeses, depois de muito trabalho, conseguiram abrir a brecha por onde se poderia entrar no maldito reduto. Nessa ocasião, porém, o heroísmo dos goianenses atingiu também o seu auge. Agora não eram somente os homens que lutavam. As mulheres, largando as crianças, tomavam armas e investiam furiosamente contra os invasores, numa bravura digna de toda prova. Empunhando foices e chuços elas caíram sobre os primeiros holandeses que penetraram no fortim. Essa corajosa atitude reanimou a todos os sitiados. Chegou, finalmente, o momento decisivo. Agora ninguém poderia recuar. A abertura permitia a entrada de muitos soldados de uma vez. Os sitiados não tinham para quem apelar. Uma mulher, destacando-se das demais, começou a percorrer o reduto animando a todos com um crucifixo nas mãos e invocando os nomes dos santos Cosme e Damião. Os primeiros holandeses foram entrando no reduto. Homens e mulheres lutavam encarniçadamente de foices e chuços. Nesse momento chegou Mateus Fernandes com a sua tropa pela retaguarda dos sitiantes, num ataque inesperado e salvador. Os holandeses diante das perdas sofridas e julgando que os reforços haviam chegado, abandonaram o campo de batalha fugindo para o porto, deixando em terra muitos cadáveres, armas e munições (PINTO, 1968, p. 126-127 – Grifos nossos).

Octávio Pinto ainda dá conta de que ao adentrar no reduto após a batalha, Mateus Fernandes percebeu entre os mortos o corpo do major Agostinho Nunes e enaltece os bravos homens e heroicas mulheres que em número bem inferior e sem nenhuma instrução militar ou armas potentes derrotaram o exército holandês. Em duas notas explicativas ao fim de seu texto, discorre que o prefeito Antônio Raposo, em seu mandato, construiu no local um obelisco homenageando o feito das mulheres heroínas; também expõe a fala de uma senhora chamada Inês Mariz explicando que durante a batalha, as mulheres de Tejucupapo jogaram nos olhos dos holandeses pimenta malagueta com água. Esse uso de pimenta nesta batalha nos fez recordar o relato vivenciado no primeiro século da colonização portuguesa descrito por Hans Staden em Igarassu.

Partimos, quarenta homens de nosso navio, em ajuda aos colonos da localidade de Igaraçu, e adentramos num pequeno navio por um braço de mar que se estendia duas milhas para dentro da terra em cuja margem a localidade estava situada. O número dos defensores devia estar em torno de noventa cristãos aptos para a luta. A eles vinham somar-se trinta negros e escravos brasileiros, isto é, selvagens que pertenciam aos colonos. Os selvagens que nos sitiavam foram estimados em oito mil. Nossa única proteção na localidade sitiada consistia numa cerca de varapaus. Ao constatarmos que ficaríamos sem mantimentos, saímos com dois barcos na direção do povoado de Itamaracá para abastecer-nos. Mas os selvagens colocaram grandes árvores sobre a água em nosso caminho e montaram guarda nas duas margens, na esperança de impedir nosso avanço. Conseguimos remover os obstáculos à força, mas veio a maré baixa e ficamos no seco. Nos barcos os selvagens não podiam nos atingir. Por isso, trouxeram madeira seca de suas fortificações e jogaram-na entre a margem e os barcos. Queriam incendiá-las e jogar no fogo a pimenta que por lá crescia. A fumaça devia fazer com que tivéssemos de abandonar as embarcações. Não lograram realizar seu plano, pois no entretempo voltou a maré alta. Conseguimos, então, prosseguir até Itamaracá, e os moradores nos abasteceram de mantimentos (STADEN, 2011, p. 37-38 – Grifo nosso).

Na gestão do prefeito Edval Félix Soares (2001-2004) foram confeccionados panfletos explicativos sobre a história da batalha de Tejucupapo, bem como divulgando e convidando nativos e turistas à participarem da apresentação teatral produzida desde o ano de 1993 por dona Luzia Maria da Silva e encenada por moradores de Tejucupapo. Os textos dos panfletos são de autoria de Severino Carneiro de Oliveira e neles, pela primeira vez, as heroínas do século XVII ganharam nomes: Maria Camarão, Maria Quitéria, Maria Joaquina e Maria Clara. Em seu livro, Severino Carneiro, na formatação de uma viagem por Goiana vai exibindo fatos históricos com personagens e situações:

Paramos diante de uma igreja, onde havia uma praça e uma escultura em barro, de uma mulher com um balaio sobre a cabeça. Descemos. – Essa figura em barro – disse o guia – representa Maria Camarão, uma das heroínas que lutaram contra os holandeses, na célebre batalha de Tejucupapo, ocorrida no dia 24 de abril de 1646 (OLIVEIRA, 2010, p. 289 – Grifo nosso).

O prédio do poder executivo municipal tem o nome oficial de Paço Heroínas de Tejucupapo. Na comunidade, existe uma escola pública com essa mesma denominação (Heroínas de Tejucupapo). Em 2004, Maciel Salú fez uma linda canção homenageando "Tejucupapo, a terra das heroínas; a vila de pescadores de Maria Joaquina"! Na tarde do próximo dia 30 de abril, último domingo do mês, pela tarde (depois das 15 horas) a Associação Grupo Cultural Heroínas de Tejucupapo, presidido por dona Luzia e que neste ano de 2023 estará comemorando 30 anos da apresentação teatral ao ar livre, no local da batalha, rememorando o cotidiano e parte do confronto dos holandeses e moradores, lançamos o convite para aqueles que moram em Goiana e/ou são goianenses mas nunca prestigiaram o espetáculo representados por gente da gente.

Vale salientar que em 2022, a Associação de Tejucupapo passou a ser considerada Patrimônio Vivo de Pernambuco; após o processo seletivo e sua diplomação, a entidade passa a receber um valor monetário do Governo do Estado de Pernambuco para se manter e perpetuar sua dinâmica cultural em transmitir para o futuro parte da nossa história e memória. Da nossa parte, consideramos a Batalha das Heroínas como um dos nossos primeiros grandes feitos históricos da colonização nas trilhas dos acontecimentos do nosso município. Um movimento de cunho ao cuidado e amor por sua terra, pela família e comunidade. Não foi um acontecimento liderado por um senhor de engenho renomado ou por um comerciante enriquecido. Foi uma luta constituída por homens e mulheres simples, trabalhadores(as) da agricultura de subsistência, lavradores(as) de cana, pescadores(as) dos estuários daquela região. Voltando ao hino de Goiana, perguntamos: Qual mãe, qual avó não acredita ser os seus filhos e os seus netos os mais bonitos? Esquecendo padrões de beleza impositivos, acreditamos que assim como as heroínas do passado, as mães e avós do presente estão atentas nas lutas diárias para defender, apoiar e incentivar seus filhos, netos, companheiros e familiares! Retomando ainda a reflexão do historiador Durval Júnior sobre a conexão do passado com nossas vidas, perguntamos: Com o quê a história da Batalha das Heroínas de Tejucupapo te (re)conecta? Pensemos...

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REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. História: a arte de inventar o passado – ensaios de teoria da história. Bauru, SP: Edusc, 2007.

JORDÃO, Edmundo; RABELLO, Coronel Cunha; FILHO, Ângelo Jordão; RABELLO, Maria das Mercês de Moraes; GUEDES, Padres Silvino. Álbum Illustrado de Goyanna – 1921. Recife-PE, Imprensa Industrial, 1921.

OLIVEIRA, Severino Carneiro de. Goiana é uma Festa: história, cultura e turismo. Recife-PE. Gráfica Palmeiras LTDA ME, 2010.

PEDRO II, Dom. Viagem a Pernambuco em 1859. Recife: Secretaria do Interior e Justiça: Arquivo Público Estadual, 1952.

PINTO, Octávio. Velhas Histórias de Goiana. Rio de Janeiro. Casa Editora Vechi, 1968.

STADEN, Hans. Duas Viagens ao Brasil: primeiros registros sobre o Brasil. Tradução Angel Bojadsen. Porto Alegre, RS: L&PM, 2011.