
Cruzeiro do Carmo
Por: Josué Sena*
Orgulhemo-nos, goianenses, do Cruzeiro
Na larga Praça Frei Caneca edificado,
Magnífica obra de escultura e cantaria
Que, dando forma à pedra fria,
Traduz a arte religiosa do Passado
E do catolicismo é fiel pregoeiro.
Em estilo barroco, ergue-se altaneiro,
De broquéis e coroas engalanado,
Tão pleno de beleza e harmonia
Que todo solo se envaideceria
Se estivesse por ele ensombrado,
Quer do Brasil ou país estrangeiro.
A seus pés, murmúrios boateiros
Diziam haver um tesouro enterrado,
Em um subterrâneo que o ligaria
À Igreja carmelita da Divina Maria
E ao colonial convento ao lado,
Tendo imenso valor em dinheiro,
Destinado a reconstruir por inteiro
Aquele convento, se derrubado,
E mesmo assim ainda restaria
Grande fortuna em ouro e prataria,
Acervo ansiosamente procurado,
Debalde, por ávidos aventureiros.
Entre o lendário e o verdadeiro,
Creio estarem os boatos errados,
Pois o real tesouro aflora à luz do dia,
Resplandecente pela fé que irradia,
Não se encontra no solo enterrado,
Pois ele é o próprio cruzeiro!

O Cruzeiro do Carmo de Goiana é todo talhado em pedra, de larga peanha (pedestal) trabalhada em estilo barroco, com traços também de estilo rococó, ricamente decorado com volutas, escudos e medalhões. Edificado em 1719, em louvor à Virgem do Carmelo, de linhas escultóricas tão belas que, na opinião de alguns, não tem similar em toda a cristandade. No "Analecto Goianense" (tomo II, p.32), colhe-se, em excertos, a seguinte descrição desse monumento: "Aqueles medalhões ou escudos que, em alto relevo, surgem em granito, como que irrompendo do seio do grande trabalho de arte, não sei se hoje haverá mão de artista capaz de talhar eguais ou semelhantes (...) Toda Goiana já se ajoelhou aos seus pés, toda Goiana de ontem e toda Goiana de hoje. E ele ali permanece na sua olímpica grandeza artística com os braços de sua cruz espalmados sobre a praça e sorrindo de orgulho ante as intempéries da natureza, inatacável, gigantesco, imortal."
. Conforme a lenda do Tesouro, citada pelo historiador Pereira da Costa, autor dos "Anais Pernambucanos", aos pés do Cruzeiro do Carmo encontram-se enterradas moedas de ouro em quantidade suficiente para construir outro convento. Registra Octavio Pinto, em "Velhas Histórias de Goiana" (p.121), que, durante a Guerra dos Mascates, ocorrida entre 1710 e 1711, na então Capitania de Pernambuco, a qual se alastrou por Goiana, e dos oito motins aqui ocorridos, um dos bandos de Tunda-Cumbe (Manoel Gonçalves), personagem tido como facinoroso, que adquiriu notoriedade nessa conflagração, por formar uma milícia a serviço do partido dos mascates e praticar, com seu bando, vandalismos, violações e abusos nesse período, mutilando parte de sua base, fez profundas escavações em busca do cabedal oculto.
Sobre a Guerra dos Mascates em Goiana, colho, também, de estudo historiográfico publicado por Edmundo Jordão de Vasconcelos em "Almanach de Goyanna" (pp.14-15), que havia maior simpatia dos habitantes da Cidade pelos mascates e que, em 23 de julho de 1711, houve um encontro entre as duas facções, triunfando os nobres, liderados pelos tenentes Gil Ribeiro, Felippe Bandeira e o capitão Antônio Ribeiro. Nesse período, como também relata Octavio Pinto em seu livro "Velhas Histórias de Goiana" (p.62), os mascates, chefiados por Pedro Lima, Gonçalo Ferreira e Tunda-Cumbe, assaltaram o engenho Bujari, saqueando a casa-grande, que era ricamente mobiliada, e incendiando o canavial. D. Damiana, a esposa do capitão-mor João da Cunha, senhor do Engenho Bujari, tido como autoritário e violento, tristemente famoso por ter mandado jogar vivo na fornalha acesa do engenho um vendedor ambulante de quem se desagradara (pp.56-62 da referida obra), foi aprisionada por Antônio Coelho, um dos chefes dos mascates, em um ataque ao sobrado, frente ao Convento do Carmo, onde João da Cunha e a esposa, com a sua gente, estavam entrincheirados. Antônio Coelho, conduzindo D. Damiana, em demanda do Recife, quando se preparava para tomar a barcaça "Borboleta" no Rio Goiana, foi assassinado por integrantes do lado dos nobres ou olindenses. Logo antes, o que levou ao ataque ao sobrado, em 23 de agosto de 1711, no Pátio do Carmo, foi morto, atingido por um tiro de escopeta, deflagrado do prédio em referência, o padre Antonio Celini, do partido dos mascates e que se encontrava em Goiana para pregar contra os nobres ou "mazombos" (como eram chamados os descendentes dos portugueses nascidos no Brasil). Os fatos acima também foram abordados no livro de romance e crônicas históricas "O Matuto" do escritor cearense Franklin Távora (João Franklin. da Silveira Távora), advogado, jornalista, político, romancista, teatrólogo, nascido em Baturité, CE, em 13 de janeiro de 1842, e falecido no Rio de Janeiro, RJ, em 18 de agosto de 1888, patrono da Cadeira 14, da Academia Brasileira de Letras, que residiu e fez estudos preparatórios em Goiana, antes de seguir carreira em Recife.
Sabe-se, ainda, que nessa época agitada, houve a invasão de Goiana por tropas paraibanas (cerca de quinhentos homens) a mando de João da Maia, no intento de anexá-la à Paraíba. O episódio encontra-se anotado em "Bibliografia Sobre Goiana" (p.211), com as informações que houve mortes, ferimentos e fugas de muitas pessoas e que, chegando a Olinda a notícia, o governador fez seguir para a vila tropas de infantaria que, travando combate, rechaçaram os paraibanos, comandados por Luiz Soares.
Quanto ao subterrâneo referido no poema, Múcio Rabelo da Fonseca Lima, meu falecido sogro, disse-me que uma vez, em visita ao convento, foi-lhe mostrada em um recanto no claustro, próxima a uma coluna, uma depressão, com resquícios de degraus, que supostamente seriam o acesso ao misterioso subterrâneo. De qualquer sorte, anota-se que a construção de subterrâneos era, na época colonial, prática construtiva com o intuito de assegurar rota de fuga no caso de cerco e assédio. Assim, em "Velhas Histórias de Goiana" (p.92), Octavio Pinto, no capítulo que trata do atentado contra Luiz do Rego e as perseguições que se seguiram, relata a fuga dos familiares de João de Souto Maior, assediados pelo destacamento encarregado de prendê-los, da casa de residência de João de Souto, no Povoado de Tejucupapo, para a mata do Peru, valendo-se de um subterrâneo existente a partir na casa.
Desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco,