
A bengala do Mestre cirandeiro
Por: Josemir Camilo (Sócio Correspondente)
A bengala, que o soldado Vicente ganhou do Mestre cirandeiro, Miguel Gaspar Benevides Muniz Falcão, não era bengala mesmo, era um cacete roliço, de largura equivalente a um orifício feito com o polegar e o indicador e cheio de aros dourados, uns e prateados, outros. Miguel era o homem das diversões de fim de semana, do carnaval e de festas de rua, e de brincadeiras. Cantava uma ciranda que foi copiada até na Paraíba, com outra letra que dizia "Noiva, querida noiva/ me faça um juramento/ me dê meu fardamento/ qu´eu vou pegar no fuzi./ Os soldados na aldeia/ estão fazendo campanha/ o governo da Alemanha/ quer governar o Brasi". Outra ciranda do Mestre era "De Caricé pra Aldeia/ Toca corneta na rua./ Menina essa face tua/ Estrela Dalva alumeia/ Os soldados de Aldeia/ Soca pedra com a pua/ Brada a corneta na rua/ para nos dar alegria". Quem copiou essa letra foi um frade musicista, Frei Tito.
O preto Miguel era pobre de Jó, mas tinha um nome aristocrático. Era um homem rico, dizia de si. Tinha um boi de carnaval, um cavalo-marinho, pra fins de semana, ou uma ciranda e coco, juntos. E ainda sustentava um babau (sabe o que é não? Tem gente que chama mamulengo). As filhas é que faziam os bonecos de pano e mulungu. Resolvera dar o bastão de regente das brincadeiras ao todo poderoso soldado Vicente Melo. Com o novo dono, tornou-se apoio, e cacete para intimidar malfeitor. Com ela, o Vicente, impecavelmente, fardado, chegava ao portão baixo de ferro, do terraço lateral da casa do chefe Nogueira, batia com ela no portão: toc-toc-toc! E Seu Nogueira, se estivesse dentro de casa, botava a cabeça no terraço lateral que dava pro seu cinema: Diga, Vicente!
- Dr. Rabelo?!
- Chegou, ainda, não! Passe daqui a um instantinho, qu´é capaz d´ele já ter chegado.
Dava meia volta e ia resolver outros assuntos, todo garboso, parecendo um oficial inglês, filme de guerra.
Alisava constantemente um anel rústico, imitação de prata, anel de cangaceiro, que um dia, e isso era segredo, uma mulher querendo seus braços, perguntou se o anel era para tirar 'malincunia'. Quando voltava a esfregar o anel se lembrava da palavra difícil, até escreveu no caderno. Sentia uma vontade sexual lhe subir. O anel, agora junto com o bastão de cirandeiro, ou com o cipó-pau, parecia transmitir ao chefe das diligências, em Goiana, certo poder, autoridade era.